O Carnaval Carioca (20/08/2025)
Tata Tancredo. O Papa Negro no Terreiro do Estácio
Ele veio de tão longe para saravá o uendá (Bis) Bendito
louvado seja, ele é o rei do Panaiá! (Bis) Bate o bumbo
lá na aldeia Auê êá!. Salve Oxóssi! Salve Tatá Tancredo!
Meu banzo pra você está/O ifá que decide/Orunmilá ore
mi….Todo lugar Nigéria/Outro lugar Benin. (Orunmilá: Maracutaja).
Chegou o general da banda, he he/Chegou o general da
banda, he a/ General,general/Mourão mourão/Vara
madura que não cai/Mourão muorão/Catuca por baixo
que ele vai.(Compositor: Tatá Tancredo).Festejo ao Guardião das Raízes Afro-brasileiras
Tancredo da Silva Pinto optou por defender a cultura religiosa afro-brasileira e seus legados por meio das celebrações e festejos, pois essas manifestações representavam uma das mais marcantes lembranças de sua infância, vividas em um ambiente familiar envolto pela musicalidade, pelos batuques sagrados e pelas festividades carnavalescas entre outras. Dessa maneira, participou de criações de importantes celebrações religiosas e carnavalescas, reafirmando a identidade cultural e religiosa, além de promover momentos de comunhão, solidariedade e festejos. Mais do que um pai de santo foi compositor de sambas, pontos de umbanda e escritor, Tata Tancredo foi um defensor da liberdade de um culto sincrético, foi um guerreiro incansável da cultura afro-brasileira, deixando um legado que ainda ressoa nos terreiros, nas rodas de samba e nos cortejos carnavalescos. Seu nome e sua história permanecem vivos na força dos tambores e no esplendor das cores que irão atravessar a Avenida Marquês de Sapucaí.
O Berço da Tradição e Espiritualidade
A história de Tata Tancredo se inicia nas terras de Cantagalo, região de grande tradição cafeeira e marcada pela presença de ex-escravizados. Filho de Belmiro da Silva e Edwirgens Miranda Pinto, Tancredo descende de uma linhagem que valorizava a cultura, resistência e religiosidade, pois seu avô materno, Manoel Miranda, era fundador de blocos carnavalescos como o “Bloco Avança” e o “Treme Terra”. Sua tia Olga da Mata, conhecida como Rainha Ginga, destacava-se no “Cordão Místico”, também constituído pelo avô de Tancredo, que apresentava uma mistura de samba de caboclo com ritual africano, demonstrando a forte presença das tradições afro-brasileiras no carnaval da época, traços marcantes em sua constituição familiar. Desde jovem, Tancredo teve seu primeiro contato com o carnaval, fascinado pelos cortejos dos blocos e cordões que desfilavam em sua cidade. Essa vivência que se deu em um momento que o projeto de estado era exorcizar a cultura negra e indígena, marcou profundamente sua trajetória de militância pacífica, o que não abalou suas defesas frente às culturas religiosas e do samba na cidade carioca.
Aos 13 anos ele tinha forte atração pelos toques para os Exus, nessa idade foi iniciado espiritualmente, por Tia Benedita e Tio Bacayodé, sendo consagrado ao dono do seu ori, Oxóssi. Sua migração para o Rio de Janeiro trouxe consigo não apenas sua fé, mas também sua missão de preservar a herança africana na religião.
Na cidade de Duque de Caxias, sua tia Olga da Mata fundou um terreiro chamado São Manuel da Luz, fortalecendo os laços entre família, religião e cultura afro-brasileira e uma defesa ao sincretismo religioso sendo constituído através dos aprendizados exercidos na umbanda africanizada.
Raízes no Samba Carioca
No Rio de Janeiro, Tancredo se estabeleceu no Morro do Salgueiro e mais tarde no Morro do São Carlos, berço do samba que teve relações estreitas com Baiaco, Brancura, Heitor dos Prazeres e Ismael Silva. Tancredo também teve participação fundamental na fundação da primeira Escola de Samba do Brasil, a Deixa Falar, no bairro do Estácio, ao lado de grandes mestres do samba, bem como frequentador de terreiro de umbanda da comunidade e mais tarde ajudaria a fundar a Liga da União das Escolas de Samba. Ao fazer parte do momento histórico que marcou a transição dos blocos carnavalescos para o modelo das escolas de samba, que foi a base do carnaval moderno, ele se fez presente com intensidade. E assim, o Papa da Umbanda reafirma sua luta na preservação das raízes africanas e penetra na trajetória do mundo do samba. Como profissional trabalhou como estafeta, entregador de telegramas nos correios, e ao mesmo tempo fortalecia sua arte e espiritualidade. Suas músicas gravadas pelos cantores Blecaute e Moreira da Silva ganharam espaço nos anos 1930. General da Banda em homenagem a Ogum lhe rendeu subsídios financeiros para atender ao pedido de Xangô em criar uma instituição em defesa dos umbandistas, e Jogo Proibido considerado o primeiro samba de breque. Ao conviver com icônicos do Morro de São Carlos consolida um elo entre o samba e a umbanda na cidade carioca.
Tancredo foi responsável ao liderar o movimento de reafricanização da umbanda, confrontando a vertente “branqueada” da religião que inicialmente fortificava elementos europeus na religião. Ele defendia que a umbanda trazia em sua constituição elementos africanos, portanto, não era apenas uma umbanda com elementos indígenas e europeus como muitos protegiam e identificavam na época. Suas obras literárias e sua coluna semanal no jornal O Dia espalharam seus conhecimentos por mais de 25 anos, o que foi uma estratégia de penetração social e defesa pacífica, através da mídia e da literatura em amparo a uma umbanda também africanizada.
O Papa da Umbanda Omolocô e Seu Legado: A Consagração da Fé Afro-brasileira
As águas sempre estiveram presentes na trajetória de Tata Tancredo, no simbolismo espiritual, uma vez que sua fé em Iemanjá como rainha do mar marca sua presença em dois grandes eventos em que ele participa e promove (Réveillon e Ponte Rio Niterói). A Festa de Iemanjá, criada por ele, tornou-se um marco de devoção, inspirando a tradição do Réveillon de Copacabana, espaço em que por muitos anos os terreiros se encontravam nos primórdios da festividade. Sua visão de promover a união entre religião, música de preto, pontos de saudações e celebração popular, fez do evento um espaço de contemplação à espiritualidade. Todavia, na atualidade esse mesmo evento, atrai multidões para saudar o novo ano com espetáculos de fogos de artifícios, shows e músicas eletrônicas, não mais com a lógica espiritual fomentada pelo Papa da Umbanda. Ao promover o movimento da festividade Cruzambê, um espaço sagrado para os religiosos, que é celebrada em Betim, Minas Gerais, o Papa da Umbanda, intensifica e reforça com seus pares que o Cruzeiro das Almas (cruzambê), um símbolo em que se cultua as almas e se dá comida, e que tem como finalidade caracterizar uma vinculação com os orixás e espíritos ancestrais. E assim ele fomenta sua visão religiosa nesta região.
A luta de Tata Tancredo pela valorização e respeito às religiões de matriz africana se materializou em grandes eventos que deram visibilidade à umbanda e suas raízes africanas. A Festa da Fusão, realizada na Ponte Rio-Niterói (o ritual “Rosas no Mar Unificam a Umbanda”), e o evento “Você Sabe o Que é Umbanda?”, no Estádio do Maracanã, demonstram seu papel como líder espiritual e defensor da identidade afro-brasileira. Além disso, criou e organizou diversas festas religiosas pelo Brasil, entre elas: Festa de Ialoxá na Pampulha, Belo Horizonte (MG), Festa de Preto Velho em Inhoaíba (RJ) e Festa de Xangô em Pernambuco.
Tancredo em suas atitudes frente a defesa de uma umbanda africanizada trazia conhecimentos, promovia festividades e encontros de forma polida sem agredir a compreensão de outros seguidores da umbanda. Ele simplesmente solicitava através de suas convicções uma concepção sobre a existência dos traços da cultura africana nos diversos segmentos da umbanda, o que para ele era legítimo e legível a presença de certas práticas ritualísticas e elementos litúrgicos utilizados nas religiões de raízes africanas nos terreiros de umbanda.
Xirê para Tata Tancredo No Terreiro do Estácio – O Mensageiro de Orunmilá Ifá
“A religião é o laço entre Deus e os homens. Todas as idéias
religiosas têm, pois, um fundamento comum, que é a existência
do Ser Supremo, a manifestação de sua vontade através das
forças naturais, o destino do homem após sua morte. (…) A
proporção que caminhamos na senda do conhecimento, mais e
mais se nos afigura demonstrar a unidade fundamental do
sentimento religioso que independe das condições de raça e
cultura” (Freitas e Tata Tancredo).Em sua chegada ao plano espiritual, na encruzilhada entre o Òrun e Àiyé, os tambores ecoam, chamando todos os guardiões da ancestralidade. O grande terreiro celeste se ilumina, e Exus, de gargalhada solta e passos firmes, abrem os caminhos para o batuque. Com seus cocares coloridos, os Caboclos chegam à dança guerreira, trazendo folhas sagradas e ervas de cura. Os Pretos-Velhos, com seus cachimbos perfumados e olhares serenos, unem-se ao redor, contando histórias de resistência e fé em uma roda falangeira.
Eis que os Erês surgem em giros alegres, espalhando risos e flores pelo espaço sagrado. Os Orixás, majestosos, ocupam o terreiro sagrado de pé para consagrar, e à frente deles, Orunmilá Ifá ergue sua mão para abençoar o escolhido. Tata Tancredo se aproxima com humildade, vestindo um manto tecido com fios da memória ancestral. Em suas mãos carrega todo seu conhecimento terrestre, através das palavras leva o axé do tambor, com seu canto, além da força espiritual que liga o ontem, o hoje e o amanhã. És o mensageiro da sabedoria de Ifá que agora é celebrado por nós! Anuncia Xangô, batendo seu oxé contra as pedras flamejantes e diz também. “Que tua voz jamais se cale mesmo nesse plano!” “Tu defenderás, ainda que espírito, as raízes e a memória do povo preto!” Completa Nanã, ao dizer:” com sua água serena, limparás os caminhos da ignorância daqueles que na Terra habitam e que habitarão!”
Iemanjá lança sobre ele, em seu ori, as águas do oceano, Oxum o amor e o brilho das riquezas, e Ogum ergue sua espada, garantindo proteção nesse novo plano. Oxalá, com suas vestes brancas reluzentes, derrama sobre Tata Tancredo suas águas purificadoras, concedendo-lhe clareza, paciência e sabedoria em sua nova morada.
O xirê que reverencia sua missão que não era travada com armas, mas com palavras, cantos e conhecimento, uma luta guiada pelo respeito às tradições, pelo resgate da memória ancestral e pela resistência cultural. Cabe salientar que ele enfrentou as injustiças não com a força bruta, mas com o axé de sua fé, levando adiante a luz da ancestralidade africana para que nunca se apague. Por fim, Oxossi, dono do seu Ori, ergue seu ofá e proclama: “É caçador da verdade, guardião da memória e guia daqueles que buscam as raízes de seu povo!”
E então, coroado com o brilho da história e o peso da missão, Tata Tancredo dança entre os ancestrais, sua alma pulsando com os tambores eternos. No grande terreiro do Orun, a festa não tem fim, pois a luta pela ancestralidade é um canto que nunca se cala e nunca se apaga.
Carnavalesco: Marcus Paulo
Veja a cobertura completa dos desfiles no nosso Instagram @carnavalcarioca e @ocarnavalbrasil.