Sinopse do enredo - UPM

O Carnaval Carioca (30/05/2025)   

Kunhã-Eté – O sopro sagrado da Jurema

 

É tudo mito.
Desde tempos imemoriais, dança-se o Toré.
Toré é roda, é círculo, é sagrado.
Toré é vida em espiral, acendendo o mundo.
É redemoinho de vento e de mata, que traz à vida uma nova filha potiguara.
Vozes da pedra, da água, do tempo, do encanto.
Quando o maracá canta, o passado responde.
Quando a noite cai espessa, os Potiguaras dançam em círculo ao som dos maracás.
É tempo de nascimento, de passar o sangue vermelho à nova kunhã.

No Toré, ritual sagrado e coletivo, o mundo toma forma e ancestralidade.
A vida de uma kunhã revela-se como a vida da comunidade inteira, fortalecida na folha nova.
Cocar é cabeça. Pintura é o corpo. Maracá é o pé. Jurema é a alma.
É o sopro de Tupã vertendo a seiva dos troncos velhos às ramas novas, raízes potiguaras que alimentam os mais novos.
Nasce a Kunhã-Eté sob a fumaça do Xamã, na mistura dos mistérios do cachimbo, entre goles da Jurema sagrada, ponte entre mundos, via dos espíritos e encantados, no Rio Potengi.
Na fumaça, os caminhos se revelam. No tempo, a profecia toma forma.
Sopro é reza.
E a menina vive no Toré embebido em Jurema, vida que atravessa os tempos.
À luz, nos braços do Xamã, a criança é lavada nas águas vermelhas de urucum, tingida de ancestralidade potiguara.
Quando tudo se junta no Toré, não é apenas um ritual: é o povo inteiro pulsando no mesmo corpo encantado.
Então, o Xamã vê surgir, imensa, a Mãe D’Água, que a flecharia.
Flechar é ver além, é despertar com o coração.
O mundo estremeceu.
Porque a Mãe d’Água só flecha quem precisa acordar.
Ela vem, perfuma a roda, sopra com doçura e o coração, de repente, abre-se como flor.
Ali, na miração, aprende-se que a água tem raiz, que lágrima é canto, e que corpo pode ser canoa.
Fez-se a profecia.
A menina guerreira nasceu para trazer paz potiguara contra os brancos, pela força do sangue e da vontade.
Não se dobraria a homem algum.
Como a mata, cresceria por onde ninguém esperava.
Como o rio, encontraria sempre um caminho.
Como floresta espessa, seria indecifrável.
Ao contrário, decifraria como vencer.

II

Sob a dominação branca portuguesa, crescia a kunhã, sem jamais deixar de ser sangue vivo e rebelde — ancestralidade pulsante contra a colonização.
Tupã e Mãe D’Água protegiam seu espírito, em nome dos ancestrais e encantados, sustentando a seiva vital da pequena nobre guerreira.
A força da floresta corria em suas veias.
Seu nome veio dos invasores da fé, mas fez-se história com ele.

Kunhã Clara.
Clara Guerreira.
Clara Camarão!
Casada com Poti, ela lutaria, indomável, pela liberdade dos seus.
E venceria os leões e as tulipas das bandeiras holandesas.
A lança de Clara cortava mais fundo que qualquer espada europeia.
Não o faria pelos colonizadores.
Faria pelos seus, pelo sangue potiguara.
Sangue do seu nome batizado, eterno.
Clara Camarão, que domaria os leões e venceria guerras.
E três seriam as vitórias:
A primeira, salvando famílias em fuga para Porto Calvo.
A segunda, com água fervente e pimenta, sopradas pelo vento em caminhos traçados por mulheres, para defender a comunidade de Tejucupapo.
A terceira, nos Guararapes, salvando o povo inteiro.
Três batalhas, um só grito: “Por nós!”
Os leões e as tulipas partiriam.
Porque é do sangue potiguara que brota a vitória.
Clara lutava como reza: de olhos firmes, com a alma em pé.
Pelos seus, nunca pelos invasores.

III

Clara pagaria com a dor da ausência de Poti.
Adeus, guerreiro.
Mas mesmo rasgada das páginas da história, dançaria no Toré da memória.
No doce gole de Jurema, ela se encantaria.
Quem se entrega à Jurema não morre — se transforma.
Venceria outra batalha: a do esquecimento.
E, flechada que fora pela Mãe D’Água, dobrar-se-ia ao mundo dos encantados.
Jurema sagrada e Clara gravada nos livros de aço da memória.
Encantada e mulher guerreira, Kunhã-Eté no sopro sagrado da Jurema rumo à eternidade.
Habitaria para sempre as matas e águas sagradas.
Ao lado do Pai do Mangue, de Flozinha, Haja-Pau, do Gritador e de tantos outros que vivem nas Igrejas Velhas, onde se bebe e vive a Jurema.
Jurema dos seus.
Ancestralidade potiguara presente.
Na mata, seu nome é sussurro.

No Toré, seu nome é canto.
Na história, seu nome é flecha.
Eis a visão.
Eis a profecia.
Eis o mito.
E o Xamã, daquele encontro com a Mãe D’Água, entendeu: tudo o que já foi, seria.

***

Hoje, a Vila Vintém se encanta!
Porque o Brasil é terra indígena que tem Dona.
Dona Clara Camarão, cuja lança crava a memória e a consagra como heroína potiguara brasileira.

 

Carnavalesco: Lucas Milato

Enredistas e sinopse: Clark Mangabeira e Victor Marques



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