O Carnaval Carioca (30/04/2025)
“Viva o Hoje! O amanhã? Fica pra depois”
Gazeta de Notícias – Notícia dos Astros – Missão RIO-HALLEY, 10.
Esta sinopse funciona como um diário de bordo astronômico, registrando a passagem do Cometa de Halley pelo Rio de Janeiro no início do século XX. Uma jornada que nos transporta para uma cidade Halley-lunática. Preparados para mais uma aventura, a fim de levantar a poeira deste grão de universo chamado planeta Terra?
“Seria a Terra o hospício do universo?”
(Albert Einstein)
[Missão I – A Chegada do Cometa]
Imagine o Rio fora de órbita? A chegada de um cometa flamejante poderia apagar de vez os maus presságios que assolavam o mundo pré-modernista. A imprensa, de forma alarmista, alimentou o medo de previsões que durante séculos dizimaram reinados, arruinaram a crença popular e tiraram o sono de astrônomos. No fundo, o que acontecia era uma verdadeira batalha entre o imaginário popular e a racionalidade científica — enquanto cientistas tentavam desmentir tal falácia, a população preferia acreditar que o Halley, com sua trajetória ameaçadora, seria o prenúncio de um novo começo para a humanidade.
Até que jornais estrangeiros, como o The New York Times, espalharam teorias distorcidas sobre o perigo de gases venenosos vindos da cauda do tal astro, capazes de asfixiar a atmosfera, provocando uma onda de histeria. Halley-mania: virou pop-star! Recorde de vendas. Estampou produtos planetários. Enriqueceu charlatões com a venda de “cápsulas de ar puro” em frascos de vidro. Extraiu sombrinhas e lunetas das vitrines das principais tabacarias de uma nova Cosmópolis — desviando o olhar humano sobre um infinito ao qual ainda pouco conhecemos.
[Missão II – O Rastro Halley-lunático]
E o que dizer de João do Rio? Filho de astrônomo, o cronista usou o evento como ponto de partida para desenhar a sociedade carioca com seu jeito irônico. A Belle Époque é a promessa de uma capital moderna, que convive com os resquícios de um passado colonial. As reformas urbanas afastam os pobres para os morros, enquanto a elite se perde no sonho europeu. O Halley surge como símbolo de uma cidade que se reinventa, mas que se perde nos seus próprios valores. O Morro do Castelo lança aos ares balões repletos de jornalistas fugitivos. Bons-feitores embarcam nas águas da Guanabara em submarinos que transportariam o oxigênio restante do nosso Atlântico perdido. A cidade se fez observatório para o astro vagabundear na cara da sociedade.
Deus lhes guie! Cariocas no domínio da alucinação não perderam a crença no Bom Deus. Igrejinhas e capelas se preencheram com a peregrinação de devotos aos pés de suas santidades. Profetas do firmamento confidenciam uma chuva de estrelas cintilantes, hospício para o aparecimento de uma infinidade de versejadores. Macumba boa é curimba feita! Uma famosa sacerdotisa da Ouvidor, de nome Perereca, contesta a lenda apocalíptica, premunindo um espetáculo jamais visto no firmamento. Aqui, o povo não apenas assistiu, mas viveu o desespero coletivo, sempre pronto a transformar o medo em esperança e a catástrofe em piada. E o juízo, afinal? Perdeu-se!
A cidade maravilhosa se torna a feira das tentações. O carioca “toma de salto” as esquinas e goza liberalmente do amanhã. Apinhou bondes, enamorados pelo olhar vadio das Mariposas-de-Luxo — deusas de chiffon perfumadas por Corbeilles. Se pôs de pernas pro ar, com as deliberadas paixões proibidas do Cabaret Nacional. E teve outra gente que se fez emergente ao acertar no milhar. Um maxixe de outro mundo faz sua estreia no Cine-Ouvidor, eternizando o samba, que pela primeira vez é mencionado como gênero musical brasileiro. Ritmo entoado por um outro cometa, partideiro de primeira linhagem de nome Cometa Gira. Amigo de Eduardo das Neves, João Alabá e de grandes sambistas da Praça Onze que quebram um tabu realizando uma Festa da Penha fora de época. Batucada boa, cerveja gelada e baianada unida. Quem é que não gosta?
[Missão III – Alô! Alô, Halley-Folia!]
1910: Alô! Alô, Halley-Folia! Desembarca no Brasil a alegria de uma Pequena Notável, que mais tarde seria eternizada em nosso Cinema Nacional. Mesmo ano em que o carnaval carioca invade as telas em um sucesso estrondoso no filme “Pela vitória dos Clubes e Cordões”. O único cometa de fato que nos tocou com alegria peculiar virou alegoria. Selou o Beijo de Halley na rivalidade entre as mais importantes grandes sociedades carnavalescas: os Fenianos, os Democráticos e os Tenentes do Diabo.
O carnaval só é interessante porque nos dá essa sensação de angustioso imprevisto. Toda sua gente tem sua história de carnaval deliciosa ou macabra, álgida ou de luxúrias atrozes. Um carnaval sem aventura não é carnaval.
A Avenida Central se tornou cenário para o folião transformar todo desencanto em uma meteórica batalha de confetes-estrelares. Pandemônio terrestre das figuras grotescas dos Cordões. O Ameno Resedá abre o desfile dos Ranchos, com o enredo: A Corte Celestial. Baianas fazem a linha de frente no girar da gravidade. Alas galácticas bailam como cometas da Via Láctea. Zé-Maria que toca rompendo a barreira do som no gurufim do cometa. Corpos celestes que decolam ao infinito em uma Apoteose Halley-lunática.
E Deus lhe deu um bom fim?
[Missão IV – O Amanhã? Fica pra depois.]
O fim prenunciado por Halley não veio, e as histórias seguem o ciclo eterno de um “amanhã vai ser melhor.” Astrônomos, cientistas, jornalistas, profetas, feiticeiras, mentirosos, sonhadores, sambistas… Ninguém soube prever que a grande preocupação, ao longo do século passado, seria com a saúde ambiental do planeta Terra. A poluição das grandes metrópoles ofuscou a última aparição do cometa em 1986. A ciência, por vezes, desfez mitos, mas olhares curiosos continuam a investigar o Cosmos em busca de novos fenômenos. Enquanto o nosso fim não chega, ao depender da União da Ilha do Governador, o futuro será sempre adiado. Deus vos acompanhe! E que o Universo conspire a nosso favor.
Viva o Hoje!
-2027: Alô! Alô, minha Ilha! Se liga! Espero te ver ao sol, em sua eterna missão especial! Até lá!
-2061: Alô, Halley! Nos encontramos numa próxima jornada. Porra! Que viagem…
O Amanhã? Fica pra depois.
(Enredo) Marcus Ferreira.
(Sinopse/Pesquisa) Henrique Pessoa e Marcus Ferreira.
(Revisão Textual) Henrique Pessoa.
Veja a cobertura completa dos desfiles no nosso Instagram @carnavalcarioca e @ocarnavalbrasil.