Sinopse do enredo - Imperatriz

O Carnaval Carioca (28/05/2025)   

“CAMALEÔNICO”

Junto ao punhado de paetês e confetes que manuseio para soprar no carnaval que virá, enxergo aquilo que pode ser visto primeiro: algo que é homem e bicho. Um híbrido no limiar entre a fera selvagem e a face humana. Bicho-homem. Espécie de homem-pássaro que roubou um par de asas para seu voo sonoro. Criatura que, no pouso terreno, mascarou-se junto ao verde da mata e ao colorido dos hibiscos deixando-se fotografar entre penas e pedras, lantejoulas e plumas, troncos e raízes. Um animal em estado de transformação que te convida ao êxtase feroz. Algo que se revela nu. Vestido apenas com a sua pele. Mil peles. Pele de camaleão. Camaleônico.

Em cena, ele requebra diante dos caretas e quem o vê não sabe se é homem ou mulher. Colo coberto de pelo e boca tingida de carmim. Ventre masculino e olhos contornados com lápis negro. Timbre feminino que nasce na boca masculina. O cantar da vedete visto em um corpo másculo.  Escondido por detrás da máscara de tinta, ele é o instinto febril que não se pode dominar. Registro rebelde e surreal. O corpo que requebra em zigue zague. O sumo perfumado de uma América Sul-Americana pendendo em colares. Um xamã tupiniquim ornado de miçangas, penas de papagaio e delírios quiméricos.

Ele é o que guarda na voz. O grito que silencia quem impõe o silêncio. Aquilo que ainda pode ser ouvido quando as bocas estão amordaçadas. O vinil em giro na radiola. O doce e o amargo que se encontra no SECOS E MOLHADOS. A voz e a cabeça oferecida de bandeja como alimento poderoso junto ao que se come com a boca, os olhos e os ouvidos.

Inclassificável, ele é aquilo que se rasga para ser outro. O homem primitivo que desce à terra na gota d’água que transborda de um CÉU-PÁSSARO. O homem de Neanderthal coberto de crina e chifre que dá vez a um BANDIDO enfeitado com brinco de argola. O salteador de corações em desvario, gatuno das paixões e dos romances aventureiros. O bandido que é sucedido pelos que cobiçam a boneca, mordem a maçã, provam do veneno e flertam com o PECADO. Este último, por sua vez, derrama-se no FEITIÇO. O feitiço de um corpo nu, bandoleiro e cigano, que é visto em cavalgada em um cavalo alado. A voz dos que não tem voz. Corporificação de sujeitos não apreciados. Divindade que incorporou a subversão.  O grito dos loucos. A porção mulher dos malandros. O anjo safado. A iconografia dos marginais. A performance máscula dos afeminados. O canto dos desgarrados e sem paradeiro. A chave dos trancados nas gaiolas.

A voz que sarra a canção. O clamor das mulheres de Atenas. Aquilo que embala a balada que os loucos dançam e a jura de preferir não ser normal. Canção que é ferida aberta. Eco de uma bomba sem cor e sem perfume. O sangue que pinta com tinta escarlate o gemido de culturas latinas dizimadas. O chamado misterioso de um pavão que exibe a cauda aberta em leque. Voz lunar que desvenda a face oculta de um lobisomem que é visto entre fadas, corujas e pirilampos.

Ao virar sua face para a festa, ele nos banha com canções solares. Aquelas, de amores ensolarados que cantam para que o dia possa nascer feliz. As que animam os que andam nu. Convite para uma farra do lado de baixo da linha do Equador. Uma folia no matagal. Sem juízo e pecado. Farta e suada. Lambuzada. Com a tristeza pra lá e a todo vapor. Deleite para os vira-latas de raça. Pra quem quer botar o bloco na rua. De uma gente que não corre quando o bicho pega e, quando fica, sabe que o bicho come. Prazer e delírio em um jardim de delícias terrenas. Jardim tropical de acrobacias amorosas e travessuras desenfreadas. Retrato 3×4 do prazer erguido em purpurina. O doce da maçã e o veneno da serpente. O riso de quem não se faz de santo. Destino para aqueles que querem brincar, gingar e botar pra ferver (gemer).

 

 

Pesquisa, desenvolvimento e texto: Leandro Vieira




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