Iroko – É tempo de xirê
  
  Iroko Kisselé! Eró Iroko Issó, Eró!
  
  No princípio, havia eternidade.
  
  E, na eternidade, tempo ainda era silêncio.
  
  Dança antiga da criação, o Aiyê fez-se nos mistérios do Axé.
  
  O tempo começava a falar.
  
  Plantou-se a primeira árvore, Iroko, Iggi Olórum, e ele passou a escutar a voz do tempo.
  
  Genitor do sagrado, raízes para o alto e para baixo, Aiyê e Orun ligados.
  
  Orixá da Árvore, Árvore Orixá – e os outros Orixás por ele descendo ao Aiyê!
  
  Árvore-Orixá dos mistérios, raízes ancestrais no fundo da terra e também bailando ao vento pelos céus.
  
  Orixá-Árvore do infinito, do início e do fim, mestre de todas as Árvores, e todos os Osa Iggi curvam-se à sua existência.
  
  Árvore da vida do que é, do que foi, do que virá a ser, e a vida seguindo sendo vida.
  
  Irmão de Ajé, a feiticeira mãe de um passarinho, e de Ogboí, a mulher   com dez filhos, é a Árvore das mulheres-pássaros iamis, semeadoras   rígidas das respostas aos pedidos.
  
  Germinou como lar e guardião da ancestralidade, enquanto ele reside   mesmo é no tempo, sem amarras, nem clausuras. Quando os oluôs pediram   para Iroko fazer parte do Axé, não quis ele casa alguma: viveria livre   junto ao Povo de Santo, junto a todas as Nações.
  
  No balanço do tempo, Iroko acolhe os temores e consola as aflições.   Justiceiro, Iroko dá, Iroko tira. Engole os devedores. Corrige as   desfeitas. É clemente com os arrependimentos.
  
  Conforta suas iaôs…
  
  …E guarda a natureza!
  
  Foram os Orixás ao encontro de Iroko e então Iroko-Árvore, Morada dos   Orixás. Grande e belo, Iroko protege da tempestade e conversa com o   vento, através dele suspirando seus chamados e espalhando sua dádiva.
  
  Iroko, Orixá do Morim, cabendo aos homens abraçá-lo com o ojá. Na Dança   da Avania, andando Iroko pelo Aiyê, conta o que viu e o que ouviu,   quando amou e quando guerreou, ao fim fincando-se no chão, a Grande   Árvore Sagrada.
  
  Iroko dos ciclos, da terra, do ar, do fogo; do sol que brilha quente e   forte queimando o mundo, às folhas mortas que caem sob o desígnio do   tempo rotundo; do frio gelado que castiga com dores na alma, às flores   do recomeço da cicatrização da ferida; da vida sem vida dos minerais, à   magia da água como fonte mãe alimento do Axé da vida da natureza.
  
  Irôko Issó! Eró! Irôko Kissilé!
  
  Iroko dos caminhos. Caminhos que vem e vão, e o mundo rodando à sua   vontade. Na floresta, ao lado de Ossain, declama com seus galhos e   folhas os retorcidos mistérios do verde universo. Orixá se transmuta em   árvore, árvore se torna Orixá e o povo virando no Santo! O Grande   Guardião e a vida em louvação.
  
  Orixá Árvore das trilhas em cruzamento e Iroko Senhorio do Otim. Árvore   também vivenda dos mortos, com Icú revelando-se indomável aos seus pés   durante a noite. ÁrvoreCemitério, dos ajejês, dos abicus, lança sua   sombra cobrindo os términos dos ciclos, em junção com os segredos de   Nanã e Obaluayê.
  
  Generoso, grande amor de Yewá, Iroko também brilha e vibra possibilidades de renovação.
  
  Senhor do que recomeça, do que o vento leva e traz no toque do atabaque   da transformação, pois ele ouve o tempo e o tempo segue, ciclo eterno de   mudança.
  
  O branco, a sua cor, união de todas as cores do arco-íris da sua ligação   com Oxumarê, o mesmo branco do sangue dos ibis. Ele, a brasileira   Gameleira, em comunhão com Obatalá.
  
  Assim, a Árvore-Orixá da fartura e da fertilidade, feliz, dá frutos:   Árvore Maior, Iroko é e será para todo o sempre a abundância na   plenitude dos dois mundos. De sua copa frondosa, resplandece o   equilíbrio sobre tudo, Iroko regenerando a vida infinitamente, fazendo   triunfar a união na paz de Oxalufã, cujo opaxorô é feito de um de seus   galhos.
  
  Enfim, rigoroso, caem as folhas como lágrimas de desespero, implacável   contra aqueles que cultivam o erro. O Orixá que brada a guerra quando   não é tempo de perdoar. Todavia, Iroko também sabe curar, sempre   disposto a ouvir.
  
  E como gosta de ouvir! Lamentos, pedidos, choros, rezas, agruras, dores, tristezas.
  
  Paciente, escuta-os. Reto, cobra as alegrias e as farturas atendidas.   Mulheres e homens, nas raízes e tronco sob as folhas, batem cabeça pelas   bênçãos do seu Axé, por perdão pelos erros cometidos.
  
  Os antigos ainda contam, por fim, que Iroko soprou através do vento um   chamado a uma jovem que dançou e rodopiou, indo girando ao seu encontro   para tornar-se Filha…
  
  … E hoje, em sua homenagem, Ela, a Unidos de Padre Miguel, pede licença!
  
  Com o Estandarte resplandecendo o vermelho do nosso sangue fervendo   Carnaval e o mesmo branco do ojá de Iroko, pedimos licença para celebrar   a felicidade da devoção e oferecemos o banquete da alegria de viver sob   a sombra da Árvore Sagrada.
  
  A Unidos de Padre Miguel, emocionada e aguerrida na gira da Vila Vintém a   passar pela Sapucaí, canta os mitos e estórias sagrados, festejando as   raízes, o tronco, os galhos, as folhas e o Axé da Grande Árvore,   ajoelhando-se respeitosa aos pés de Iroko pelas graças abençoadas do   Orixá!
  
  Aqui e agora, tributo ao Senhor da Árvore, é Tempo de Xirê!
  
  “No tronco da Gameleira,
  Meu Iroko eu vou louvar!”.
  
  Carnavalesco: Edson Pereira
  Enredo: Edson Pereira e Comissão Artística
  Sinopse e pesquisa: Edson Pereira, Victor Marques e Clark Mangabeira
  Logotipo do enredo da Unidos de Padre Miguel para o Carnaval 2021. Foto: Divulgação
  
  Glossário
  
  1) “Iroko Kisselé! Eró Iroko Issó, Eró!” & “Irôko Issó! Eró! Irôko Kissilé!” –
  Saudações a Iroko: “Salve Grande Iroko! O Senhor de todas as Árvores!”
  2) Eró – calma!
  3) Iggi Olórum – árvore do Senhor dos Céus
  4) Osa Iggi – orixá(s) da Árvore
  5) Oluôs – advinhos
  6) Otim – cachaça
  7) Iamis (ou Yamis) – mulheres-pássaros e feiticeiras
  8) Abicus – espíritos de crianças marcadas por reiteradas mortes
  9) Icú – morte
  10) Dança do Avania – viagem de Iroko pelo Aiyê, na qual são narradas todas as suas
  aventuras. Representação ritualística da viagem.
  11) Ajejê (ou axexê) – ritual fúnebre
  12) Ojá – tira de pano branco que é amarrada ao redor do tronco do pé-de-Iroko, em
  ritual ao Orixá.
  13) Morim – pano branco de algodão
  14) Aiyê – terra
  15) Orun – céu
  16) Opaxorô – “cajado” de Oxalá
  17) Ibis – tipo de caracol, animal de Oxalá.
  18) “No tronco da gameleira, Meu Iroko eu vou louvar”- trecho do Ponto “Iroko”,
  na voz e ritmo de Juliana D Passos e a Macumbaria (letras.mus.br/juliana-dpassose-a-macumbaria/iroko/)
 Bibliografia principal
  
  Martins, Cleo; Marinho, Roberval. Iroco – “O Orixá da Árvore e a Árvore Orixá”.
  Coleção Orixás. Rio de Janeiro: Pallas, 2010.
  Bastide, Roger. As Religiões Africanas no Brasil. 2 vol. São Paulo: Pioneira, 1985.
  Goldman, Márcio. Possessão e a construção ritual da pessoa no Candomblé.
  Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Museu
  Nacional, URFJ, 1984.
  Prandi, Reginaldo. Mitologia dos Orixás. Companhia das Letras: São Paulo, 2001.
  Verger, Pierre Fatumbi. Orixás – Deuses Iorubás na África e no Novo Mundo.
  Salvador: Corrupio, 2002.
  Verger, Pierre Fatumbi. Notas sobre o culto aos Orixás e Voduns. São Paulo: EDUSP,
2000.
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