Unidos de Padre Miguel lança sinopse de enredo

O Carnaval Carioca (05/05/2020)   
  

Iroko – É tempo de xirê



Iroko Kisselé! Eró Iroko Issó, Eró!

No princípio, havia eternidade.

E, na eternidade, tempo ainda era silêncio.

Dança antiga da criação, o Aiyê fez-se nos mistérios do Axé.

O tempo começava a falar.

Plantou-se a primeira árvore, Iroko, Iggi Olórum, e ele passou a escutar a voz do tempo.

Genitor do sagrado, raízes para o alto e para baixo, Aiyê e Orun ligados.

Orixá da Árvore, Árvore Orixá – e os outros Orixás por ele descendo ao Aiyê!

Árvore-Orixá dos mistérios, raízes ancestrais no fundo da terra e também bailando ao vento pelos céus.

Orixá-Árvore do infinito, do início e do fim, mestre de todas as Árvores, e todos os Osa Iggi curvam-se à sua existência.

Árvore da vida do que é, do que foi, do que virá a ser, e a vida seguindo sendo vida.

Irmão de Ajé, a feiticeira mãe de um passarinho, e de Ogboí, a mulher com dez filhos, é a Árvore das mulheres-pássaros iamis, semeadoras rígidas das respostas aos pedidos.

Germinou como lar e guardião da ancestralidade, enquanto ele reside mesmo é no tempo, sem amarras, nem clausuras. Quando os oluôs pediram para Iroko fazer parte do Axé, não quis ele casa alguma: viveria livre junto ao Povo de Santo, junto a todas as Nações.

No balanço do tempo, Iroko acolhe os temores e consola as aflições. Justiceiro, Iroko dá, Iroko tira. Engole os devedores. Corrige as desfeitas. É clemente com os arrependimentos.

Conforta suas iaôs…

…E guarda a natureza!

Foram os Orixás ao encontro de Iroko e então Iroko-Árvore, Morada dos Orixás. Grande e belo, Iroko protege da tempestade e conversa com o vento, através dele suspirando seus chamados e espalhando sua dádiva.

Iroko, Orixá do Morim, cabendo aos homens abraçá-lo com o ojá. Na Dança da Avania, andando Iroko pelo Aiyê, conta o que viu e o que ouviu, quando amou e quando guerreou, ao fim fincando-se no chão, a Grande Árvore Sagrada.

Iroko dos ciclos, da terra, do ar, do fogo; do sol que brilha quente e forte queimando o mundo, às folhas mortas que caem sob o desígnio do tempo rotundo; do frio gelado que castiga com dores na alma, às flores do recomeço da cicatrização da ferida; da vida sem vida dos minerais, à magia da água como fonte mãe alimento do Axé da vida da natureza.

Irôko Issó! Eró! Irôko Kissilé!

Iroko dos caminhos. Caminhos que vem e vão, e o mundo rodando à sua vontade. Na floresta, ao lado de Ossain, declama com seus galhos e folhas os retorcidos mistérios do verde universo. Orixá se transmuta em árvore, árvore se torna Orixá e o povo virando no Santo! O Grande Guardião e a vida em louvação.

Orixá Árvore das trilhas em cruzamento e Iroko Senhorio do Otim. Árvore também vivenda dos mortos, com Icú revelando-se indomável aos seus pés durante a noite. ÁrvoreCemitério, dos ajejês, dos abicus, lança sua sombra cobrindo os términos dos ciclos, em junção com os segredos de Nanã e Obaluayê.

Generoso, grande amor de Yewá, Iroko também brilha e vibra possibilidades de renovação.

Senhor do que recomeça, do que o vento leva e traz no toque do atabaque da transformação, pois ele ouve o tempo e o tempo segue, ciclo eterno de mudança.

O branco, a sua cor, união de todas as cores do arco-íris da sua ligação com Oxumarê, o mesmo branco do sangue dos ibis. Ele, a brasileira Gameleira, em comunhão com Obatalá.

Assim, a Árvore-Orixá da fartura e da fertilidade, feliz, dá frutos: Árvore Maior, Iroko é e será para todo o sempre a abundância na plenitude dos dois mundos. De sua copa frondosa, resplandece o equilíbrio sobre tudo, Iroko regenerando a vida infinitamente, fazendo triunfar a união na paz de Oxalufã, cujo opaxorô é feito de um de seus galhos.

Enfim, rigoroso, caem as folhas como lágrimas de desespero, implacável contra aqueles que cultivam o erro. O Orixá que brada a guerra quando não é tempo de perdoar. Todavia, Iroko também sabe curar, sempre disposto a ouvir.

E como gosta de ouvir! Lamentos, pedidos, choros, rezas, agruras, dores, tristezas.

Paciente, escuta-os. Reto, cobra as alegrias e as farturas atendidas. Mulheres e homens, nas raízes e tronco sob as folhas, batem cabeça pelas bênçãos do seu Axé, por perdão pelos erros cometidos.

Os antigos ainda contam, por fim, que Iroko soprou através do vento um chamado a uma jovem que dançou e rodopiou, indo girando ao seu encontro para tornar-se Filha…

… E hoje, em sua homenagem, Ela, a Unidos de Padre Miguel, pede licença!

Com o Estandarte resplandecendo o vermelho do nosso sangue fervendo Carnaval e o mesmo branco do ojá de Iroko, pedimos licença para celebrar a felicidade da devoção e oferecemos o banquete da alegria de viver sob a sombra da Árvore Sagrada.

A Unidos de Padre Miguel, emocionada e aguerrida na gira da Vila Vintém a passar pela Sapucaí, canta os mitos e estórias sagrados, festejando as raízes, o tronco, os galhos, as folhas e o Axé da Grande Árvore, ajoelhando-se respeitosa aos pés de Iroko pelas graças abençoadas do Orixá!

Aqui e agora, tributo ao Senhor da Árvore, é Tempo de Xirê!

“No tronco da Gameleira,
Meu Iroko eu vou louvar!”.

Carnavalesco: Edson Pereira
Enredo: Edson Pereira e Comissão Artística
Sinopse e pesquisa: Edson Pereira, Victor Marques e Clark Mangabeira
Logotipo do enredo da Unidos de Padre Miguel para o Carnaval 2021. Foto: Divulgação

Glossário

1) “Iroko Kisselé! Eró Iroko Issó, Eró!” & “Irôko Issó! Eró! Irôko Kissilé!” –
Saudações a Iroko: “Salve Grande Iroko! O Senhor de todas as Árvores!”
2) Eró – calma!
3) Iggi Olórum – árvore do Senhor dos Céus
4) Osa Iggi – orixá(s) da Árvore
5) Oluôs – advinhos
6) Otim – cachaça
7) Iamis (ou Yamis) – mulheres-pássaros e feiticeiras
8) Abicus – espíritos de crianças marcadas por reiteradas mortes
9) Icú – morte
10) Dança do Avania – viagem de Iroko pelo Aiyê, na qual são narradas todas as suas
aventuras. Representação ritualística da viagem.
11) Ajejê (ou axexê) – ritual fúnebre
12) Ojá – tira de pano branco que é amarrada ao redor do tronco do pé-de-Iroko, em
ritual ao Orixá.
13) Morim – pano branco de algodão
14) Aiyê – terra
15) Orun – céu
16) Opaxorô – “cajado” de Oxalá
17) Ibis – tipo de caracol, animal de Oxalá.
18) “No tronco da gameleira, Meu Iroko eu vou louvar”- trecho do Ponto “Iroko”,
na voz e ritmo de Juliana D Passos e a Macumbaria (letras.mus.br/juliana-dpassose-a-macumbaria/iroko/)

 

Bibliografia principal

Martins, Cleo; Marinho, Roberval. Iroco – “O Orixá da Árvore e a Árvore Orixá”.
Coleção Orixás. Rio de Janeiro: Pallas, 2010.
Bastide, Roger. As Religiões Africanas no Brasil. 2 vol. São Paulo: Pioneira, 1985.
Goldman, Márcio. Possessão e a construção ritual da pessoa no Candomblé.
Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Museu
Nacional, URFJ, 1984.
Prandi, Reginaldo. Mitologia dos Orixás. Companhia das Letras: São Paulo, 2001.
Verger, Pierre Fatumbi. Orixás – Deuses Iorubás na África e no Novo Mundo.
Salvador: Corrupio, 2002.
Verger, Pierre Fatumbi. Notas sobre o culto aos Orixás e Voduns. São Paulo: EDUSP,
2000.

 

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