Porto da Pedra lança sinopse sobre as baianas
O Carnaval Carioca (07/05/2019)   
                                                                           

"O que é que a baiana tem? do Bonfim à Sapucaí"

 

Sinopse do enredo

1º SETOR: DAS “NEGRAS DE GANHO” QUITUTEIRAS ÀS BAIANAS

Embalados pela poesia, vamos embarcar numa viagem de amor e sedução, rumo à Bahia, terra de encantos mil, onde o coqueiro dá coco, e o sol brilha mais forte.

Viajando nas malhas do tempo, à Bahia colonial, onde no porto de Salvador atracavam os tumbeiros, trazendo negros e negras das Áfricas, para em terras da América Portuguesa servirem como escravos.

Pelas ruas daquela cidade de outrora, formadas por becos e vielas, e pelo casario de sobrados, onde moravam sinhô e sinhá com seus escravos, necessários às atividades braçais.

Os donos de escravos, entretanto, não os utilizavam apenas no serviço doméstico. Para aumentar seus rendimentos, os empregavam como “negros de ganho”. Eles trabalhavam nas ruas, e vendiam de porta em porta todo tipo de mercadoria: aves, verduras, legumes, doces, licores, etc; outros armavam seus tabuleiros em esquinas movimentadas, nas escadarias das igrejas e nas praças, oferecendo aos gritos os artigos à venda.

Foi nesse tempo passado que as mulheres – escravas ou libertas – preparavam o acarajé e, à noite, com cestos ou tabuleiros na cabeça, saíam a vendê-lo nas ruas da cidade. Ouvia-se o grito apregoado: “acará, acará ajé, acarajé”.

Herdeiras dos “ganhos”, as baianas de tabuleiro, baianas de rua, baianas de acarajé ou simplesmente baianas, segundo o costume regional, preservam receituários ancestrais africanos. As baianas de acarajé tornam públicos cardápios sagrados, geralmente desenvolvidos nos terreiros. No universo do candomblé, o acarajé é comida sagrada e ritual, ofertada aos orixás, principalmente a Xangô (Alafin, rei de Oyó) e a sua mulher, a rainha Oiá (Iansã), mas também a Obá e aos Erês, nos cultos daquela religião.

E o que que tem no tabuleiro? Tem abará, vatapá, bolinho-de-estudante, cocada preta, cocada branca, mingau, passarinha (baço bovino frito), pé-de-moleque, doce de tamarindo, lelê (bolo de milho), queijada e o acarajé. É o que a baiana tem!

De saias rodadas, batas de algodão, panos da costa, turbantes, fios de contas e outros adereços como colares com as cores dos seus orixás, pulseiras e balangandãs, lá estão as Baianas de Tabuleiro pelos “cantos” da cidade de Salvador vendendo seus quitutes, sob a proteção de Santa Bárbara.

E, lá estão as nossas quituteiras nas festas de largo, festas religiosas que se constituem de atividades rituais que articulam e relacionam universos simbólicos do catolicismo oficial e do candomblé. Exemplo maior a da Igreja do Senhor Bom Jesus do Bonfim. Novenas, celebração de missa, procissão pelas ruas da capital baiana, barraquinhas, brincadeiras, música, danças, comidas e bebidas, e pela lavagem das escadarias. A tradicional lavagem das escadarias reúne cerca de duzentas baianas para esfregar os degraus com vassouras de palha e derramar sobre eles um líquido perfumado.

2º SETOR: A DIÁSPORA BAIANA E A “PEQUENA ÁFRICA” DO RIO DE JANEIRO

Da Bahia, espaço vivo dessa mistura de tradições culturais, da confluência da cultura branca com a negra, saiu, já na segunda metade do século XIX, uma leva de baianos que foram tentar a vida no Rio de Janeiro. A Abolição incrementaria ainda mais o fluxo migratório, fundando-se praticamente uma pequena diáspora baiana na capital do país. Assim, sob a proteção da bandeira branca de Oxalá, chegavam ao porto carioca, nos porões dos navios, negros baianos livres, que vinham buscar um lugar para morar, uma forma de trabalho, e cultuar os orixás.

Surge, então, na zona portuária, mais precisamente nos bairros da Gamboa e Saúde, a “Pequena África”, nome criado por Heitor dos Prazeres para designar o trecho da cidade compreendido entre a área do cais do porto e a Cidade Nova, em torno da Praça Onze.

Ficou muito conhecida no Rio de Janeiro a casa da “tia” Ciata, um verdadeiro centro cultural. Lá aconteciam rodas de samba, música, capoeira, rezas, rituais, almoços e muitas festas. As festas dos orixás e os batuques do samba ecoavam livremente.

Ciata compunha o grupo das tias baianas que eram os esteios da comunidade negra, rainhas negras da “Pequena África”. Ela tinha sólidos conhecimentos religiosos e culinários. Doceira, começara a trabalhar em casa e a vender nas ruas, sempre paramentada com suas roupas de baiana. Ela, junto com outras tias baianas da sua geração, faz parte da tradição “carioca” das baianas quituteiras, que após colocar os doces no altar de acordo com o orixá homenageado no dia, seguiam para os seus pontos de venda.

Foi na casa da “tia” Ciata que nasceu “Pelo Telefone”, composição de Donga, considerada o nosso primeiro samba, gravado em 1917.

Mas a cultura negra não ficou só restrita à casa da “tia” Ciata. Eram comuns as festas das igrejas, notadamente a Festa da Penha. Quando começou, essa festa era liderada pelos portugueses, e essencialmente religiosa. Mas, com o passar do tempo, os negros baianos foram chegando. Começaram a surgir barracas de comida das baianas onde se vendia vatapá, acarajé, caruru. Nessas barracas, as rodas de samba e capoeira eram outro atrativo. O concurso das músicas carnavalescas acontecia li mesmo, de viva voz, na Festa da Penha.

3º SETOR: AS TAIEIRAS E AS PROCISSÕES RELIGIOSAS NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO

Para além dessa forte tradição negra na cidade do Rio de Janeiro, as procissões católicas sempre enriqueceram o imaginário popular.

A carnavalização das procissões religiosas no Rio de Janeiro é um fato. Nas procissões de Corpus Christi, de São Benedito e na do Santíssimo Sacramento, puxavam o cortejo, mulheres negras com trajes alvíssimos e colares de prata, as chamadas taieiras. Elas tinham uma dança específica que consistia num leve movimento com braços arcados e pés marcando o ritmo, saíam à frente do andor de São Benedito, Nossa Senhora do Rosário e do pálio onde o bispo conduzia o Santíssimo Sacramento.

Nas festas no terreiro, as taieiras cantavam. Já na igreja, a seguir a missa, antes de formar a procissão, a dança era geral no adro da igreja e, ali, junto ao movimento dos braços e a batida dos pés, se juntava um balançar de ancas que o padre fingia não ver.

O posicionamento das taieiras na organização do cortejo, em qualquer procissão, visto com os olhos de hoje, era como se fosse a ala de baianas de uma escola de samba. Não só pela elegância e o ar majestoso das integrantes, como pela presença hierática, própria da ascendência nobre.

4º SETOR: AS ALAS DE BAIANAS DAS ESCOLAS DE SAMBA E A LAVAGEM DA MARQUÊS DE SAPUCAÍ

Quando as escolas de samba foram fundadas, no fim da década de vinte do século XX, as baianas também foram incorporadas às novas organizações. Elas formavam os coros de vozes e influíam na escolha dos melhores sambas cantados nas quadras de ensaios.

No princípio, os homens saíam fantasiados de baianas nas escolas de samba. As baianas vinham formadas nas laterais e tinham a incumbência de defender a agremiação das violências que sofriam. Quando deixaram de sair nas laterais das escolas, formaram uma ala e continuaram participando rotineiramente dos desfiles. A ala das baianas hoje é exclusivamente feminina.

A roupa clássica da ala das baianas de uma escola de samba compõe-se de torso, bata, pano da costa e saia rodada. Contudo, a capacidade criativa dos carnavalescos é ilimitada. Na Marquês de Sapucai, já vimos baianas com as mais inusitadas fantasias como borboletas, estátuas da liberdade, chinesas, entre outras.

Na semana que antecede o desfile das Escolas de Samba, acontece a tradicional lavagem da Marquês de Sapucaí, abrindo os caminhos para os desfiles oficiais. As baianas de todas as agremiações são convidadas a participar do ritual. Muita água de cheiro, arruda, aroeira, flores e defumador para espantar o mau agouro e fazer com que tudo corra bem. O cortejo passa com a participação de baianas, casais de mestre-sala e porta-bandeira, velha guarda, destaques e representantes das escolas de samba mirins.

E, seguindo o caminho do ato da lavagem, numa festa que mistura todas as religiões, raças e costumes, o Tigre, símbolo maior da Unidos do Porto da Pedra, se auto-proclama o arauto dessa homenagem. E, num ato de amor, convoca a todas as baianas das diversas agremiações cariocas para juntos darem as mãos, empenhar suas bandeiras, e celebrarem as “mães” do samba. È um ato de luta contra qualquer manifestação de intolerância.

Alex Varela (historiador)


Bibliografia:

ARAÙJO, Hiram. Carnaval. Seis Milênios de História. Rio de Janeiro: GRYPHUS, 2003.

COSTA, Haroldo. Política e Religiões no Carnaval. São Paulo: Irmãos Vitale, 2007.

Dossiê IPHAN. Ofício das Baianas de Acarajé. Brasília, DF : Iphan, 2007.

GASPAR, Lúcia. Baianas de Acarajé. Pesquisa Escolar Online. Recife, Fundação Joaquim Nabuco. Disponível em: HTTP: //Basílio.fundai.org.br/pesquisaescola. Acessado no dia 13/04/2019.

FERREIRA, Felipe. O livro de ouro do carnaval brasileiro. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004.

MOURA, Roberto. Tia Ciata e a Pequena África do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, Dep. Geral de Doc. e Inf. Cultural, Divisão de Editoração, 1995.

VELLOSO, Monica. Que Cara Tem o Brasil? As Maneiras de Pensar e Sentir o Nosso País. Rio de Janeiro: Ediouro, 2000.


 

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