Cubango já tem enredo para 2019
 

O Carnaval Carioca (16/05/2018)   

        Objetos de poder, objetos de pedir proteção, objetos de pagar promessas, objetos que prometem milagres (ainda que falsos milagres). A Cubango pretende mostrar "a alma das coisas" (título de um antigo programa da Rádio Nacional e de um livro que reúne estudos de antropologia e patrimônio, organizado por José Reginaldo Gonçalves, Roberta Guimarães e Nina Bitar) no desfile de 2019. Sob o título "Igbá Cubango – a alma das coisas e a arte dos milagres", o enredo, de autoria de Gabriel Haddad, Leonardo Bora e Vinícius Natal, propõe um diálogo com a memória da própria escola: o pentacampeonato conquistado em 1979, com o antológico samba "foxé" (de autoria de Heraldo Faria e João Belém, então interpretado por Elza Soares), foi dedicado ao “ídolo menino" Babalotim, objeto sagrado que ainda habita a quadra da Noronha Torrezão. As cabaças dos assentamentos, as figas, os abacaxis dos balangandãs, os amuletos indígenas, as carrancas, os ex-votos do catolicismo popular, tudo isso estará presente no carnaval da agremiação.

 - A rigor, todos esses objetos podem ser chamados de ex-votos, conforme as pesquisas que tem se debruçado sobre o tema. Inclusive o principal ex-voto, aquele que todos conhecem, é a vela. Mas sabemos que o senso comum tem uma ideia fechada do que é um ex-voto, algo preso a miniaturas, cartas, tabuletas ou esculturas de partes do corpo humano, o que nos remete às salas dos milagres, às romarias e à matriz católica. Por isso optamos por falar que o enredo é sobre "objetos de devoção", coisas materiais que conectam o ser humano àquilo que ele considera sagrado e que acabam por contar a nossa própria história, abraçando também as nossas raízes afro-ameríndias – explica Vinícius Natal, que, além de doutorando em Antropologia pela UFRJ, é gestor do Museu da Escravidão e Liberdade do Rio de Janeiro.

 Para Gabriel Haddad e Leonardo Bora, que assinarão o segundo desfile à frente da escola de Niterói, um enredo estava dentro do outro.

- A arte contemporânea brasileira vem dialogando com a estética dos ex-votos. De saída, podemos citar os nomes de Adriana Varejão, Farnese de Andrade, Efrain Almeida e Graça Góes. A obra de Arthur Bispo do Rosário, além de possuir um caráter votivo (uma obra em oferecimento a Deus), reúne elementos visuais que todo o tempo nos remetiam à estética dos ex-votos. Quando mergulhamos nas pesquisas de cultura popular e descobrimos que Mestre Vitalino esculpia ex-votos, aí o enredo começou, literalmente, a ganhar corpo. E também houve uma sequência de sonhos e sincronicidades que fizeram com que os três autores se convencessem da importância que era falar disso – justifica Bora.

 Para Haddad, trata-se de um enredo simples e complexo ao mesmo tempo, como explica:

 - É um enredo denso, fruto de muitas discussões, mas que pode parecer simples, afinal todo mundo, e no meio das escolas de samba isso é evidente, carrega o seu amuleto, a sua guia, a sua medalha, a sua fitinha. Isso nos dá a possibilidade de passear por diferentes linguagens, expandindo a linha que apresentamos no carnaval sobre o Bispo. Começa com a Cubango se vendo refletida em um espelho, cantando aquilo com que mais se identifica, que são as narrativas afro-brasileiras e os objetos mágicos que compõem esse imaginário. E termina de maneira completamente carnavalizada, com deboche e tropicalismo, numa referência à mercantilização de falsos objetos sagrados. Os cartazes de divulgação do enredo, confeccionados pelo artista Antônio Ferreira Gonzaga, resumem a nossa ideia de maneira brilhante.

 O fio condutor da narrativa e os detalhes sobre o final, que dialoga com a peça “O Rei da Vela", de Oswald de Andrade, serão revelados apenas na sinopse, que será entregue aos compositores no próximo dia 24, às 20h, na quadra da agremiação.

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