Império Serrano entrega a sinopse de seu enredo
O Carnaval Carioca (06/06/2016)  

Compositores e sambistas do Império Serrano se reuniram na quadra, na última sexta, para conhecer a sinopse do enredo "Meu quintal é maior do que o mundo". Escrito pelo historiador Roberto Vilaronga, com pesquisa dele, do carnavalesco Marcus Ferreira e do diretor Junior Fionda, o texto é o fio condutor da homenagem que a verde e branca, no Carnaval 2017, fará ao poeta Manoel de Barros, em razão de sua obra e centenário de nascimento.

De acordo com Fionda, que é um dos diretores de Carnaval da agremiação, um importante encontro para discussão acerca do tema ocorreu antes, na quarta-feira:

- Fizemos um workshop sobre o enredo e, na ocasião, apresentamos um texto longo e detalhado, acompanhado de uma explicação sobre como deverá ser o desfile do Império.

Segundo o carnavalesco Marcus Ferreira (que divide a ideia de prestar o tributo a um dos ícones da literatura brasileira com o diretor de Carnaval Paulo Santi), a sinopse foi escrita de forma a permitir o maior entendimento possível aos compositores, como explica:

- Meu intuito foi popularizar a linguagem da obra de Manoel de Barros, porém, sem prejuízo da poesia, pra que os compositores escrevam seus sambas conforme o que planejamos contar na Avenida.

Apesar da escolha de um personagem como inspiração para o seu Carnaval, a verde e branca, no entanto, não levará pra Sapucaí uma simples biografia ou representação das obras de Manoel de Barros.

- Partimos da figura de Bernardo, que era uma espécie de capataz da fazenda do poeta, ou melhor, um feiticeiro, como Manoel dizia. Isso porque, Bernardo tinha uma ligação direta com a natureza. Assoviava e facilmente trazia os pássaros para si, por exemplo. A maneira como Bernardo se apropriava da natureza pantaneira, o quintal de Manoel de Barros, impressionava-o muito e motivou vários de seus versos - explicou o carnavalesco.

Leia a sinopse do enredo:


"Meu quintal é maior do que o mundo!"


1.
Faz-me bem uma janela aberta...
Cá dentro, a poesia.
A língua de raiz, do brincar.
Meu faz de conta do nada.

Lá fora, em meu quintal,
O reinvento pantaneiro...
“Nadifúndio” das palavras.
Nele habita Bernardo.
O ermo dos bocós.
O silêncio honra seu ser.
Nele habito a minha poesia.

Olhar vago que passa em minha aldeia.
Nela domina os extintos primitivos.
Enfeitiça com o apito do índio Terena,
Costumeiro em chamar perdiz pela cor.
De canto - hoje - verde,
Murmura a língua matinal...
Dos Guatós, Guaranis e Guanás.
Eles enverdam as auroras.

2.
Bernardo morava em seu casebre na beira do rio;
Vive quase coberto de limos, musgos...
Destemido no privilégio do abandono.
Regava todos os dias o extinto Mar de Xarayés.
O menino agora é parte dele, das águas.
Apodera-se da paisagem como seu guardador.

Proseia com peixes enferrujados
Que, apaixonados por latas,
Saem de seus abrigos, para reverenciá-lo.
Sapos saltitantes de chão, tocadores de viola.
Pode ser a de Cocho?

Águas que fertilizam minha poesia.
Repousa na paz dos Camalotes.
Ora diante de uma procissão de formigas;
Outras recortam as roseiras deste meu quintal.
Ele me ensinou a infantilizá-las:
Só pingar um pouquinho de água no coração delas.
Algazarreia nos pingos de sol das manhãs.
Caracóis vegetam em minhas palavras
Que andam em lentidão na imensidão verde.

3.
Esse é Bernardo.
Menino do mato, da mata.
Repetindo as tardes deste meu quintal.
Como um joão-ninguém, que vive do cisco.

Assim como garças que enfeitam os brejos.
Faz de conta menino que é um Tatu, bola a rolar...
Detém um olhar feroz traidor,
Ao mesmo tempo em que serve de abrigo da paisagem.
Vive como andarilho flanando no pátio da fazenda.

Vejo um afeto de aves em seu olhar.
A passarada fez poleiro na sua cabeça;
Constroem casas na aba de seu chapéu de palha.

Só ele conseguia o gorjeio dos pássaros.
O menino-árvore bateu asas e avoou.
Virou passarinho.
Passarinhos deliram ao serem escolhidas ao concerto...
O concerto latente do entardecer.

4.
Entreaberta, prevejo o arrebol.
Caem os primeiros pingos de chuva.
Perfume de terra molhada invade a fazenda.
Bernardão conhece a lida do pantaneiro.

As águas impulsionam a vida no Pantanal,
O homem deste lugar é a continuação delas.
Sua canoa é leve como um selo.
Menino bandarra faz o entardecer à beira do mato.
Toca a boiada que empurra águas vadias.
Forte, destemido como um Lobisomem.

Um pescador de varanda,
A admirar pacus à sombra dos Cambarás.
Tocador de viola quebrada em casa de madeira.
Ela possui orgulho de suas árvores e flores.
Este quintal mantém nossos delimites de viver.

À noite!
Beatos em procissão,
Ao ouvir a prosa dos rios.
Vejo-te junto a outro menino,
“De fé que não se cansa”.
Que declamam “em forma de oração”,
Num dia pra lá de especial,
Seus setenta anos de glórias.
Em romaria a Nossa Senhora
Do Pantanal que pensa florescer,
A cada dia e a cada poesia minha.

Belas iluminuras!
(A janela se fecha)
Manoel de Barros.

Sobre Bernardo:
Espécie de totem, deus, guardião da natureza sagrada. Mítico que domina o mundo natural pantaneiro.
Fazedor de amanhecer. Guardador das águas. Encantador de pássaros.
Matuto pantaneiro, meu fazendeiro.
“Reizinho” do meu quintal.
Bernardo: meu outro eu.

“Penso agora que esse Bernardo tem cacoete para poeta.”

Marcus Ferreira (Carnavalesco)

Junior Fionda, Marcus Ferreira e Paulo Santi.
(Pesquisa, Desenvolvimento e Texto)
Henrique Pessoa
(Revisão Textual)

Dialeto Manoelês:
Andarilho: Aves que vagam em plano terrestre, não sabem voar (Emas);
Bandarra: Vadio, mandrião, vagabundo, cavalo velho solto pelos pastos;
Bernardão: Menino forte, destemido;
Camalotes: Aguapé, planta aquática de inflorescência.
Cocho: Referido à viola do estado sul mato-grossense;
Iluminuras: Desenho de poesia;
Mar de Xarayés: Primeiro nome dado ao Pantanal, referido à uma primitiva tribo do território;
Perdiz: Ave pantaneira;
Nadifúndio: “Nadifúndio é um lugar de nadas”.

 

 


 


  Volta